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Ipea 50 Anos e a Eleição de 2014: Pequena Homenagem à Instituição e a Seus Servidores* - José Celso

1. Introdução

No ano em que completa seus 50 anos de existência, talvez seja possível e necessário afirmar que a marca distintiva e nobre do IPEA, desde sempre e na atualidade, seja a diversidade.

Diversidade geográfica e social: o IPEA possui representantes de praticamente todos os estados da federação, incluindo alguns de origem estrangeira. Ademais, possui pessoas, hoje, das mais variadas origens econômico-sociais e étnico-culturais, um grande espelho da própria sociedade brasileira.

Diversidade acadêmica e política: o IPEA hoje possui, em seus quadros profissionais, pessoas formadas em uma variedade enorme de cursos de graduação e pós-graduação. Ademais, possui servidores das mais amplas afiliações político-ideológicas e mesmo partidárias, vários deles estando ou tendo estado em posições elevadas e relevantes da hierarquia estatal brasileira, sobretudo no âmbito do poder executivo federal.

Diversidade técnica e profissional: o IPEA possui, portanto, um cabedal de conhecimentos e habilidades técnicas que, provavelmente, nenhum outro instituto de pesquisa e planejamento deva possuir, neste momento, no Brasil, ou mesmo fora dele. Ademais, sua atuação como órgão público de pesquisa aplicada e assessoramento governamental direto qualifica-o a deter capacidade tecnopolítica para atuar institucional e profissionalmente em campos tão amplos como complexos da formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas, mormente as de nível federal.

Outrossim, é evidente que tal conjunto positivo de diversidades, num regime republicano e democrático como o que se vai lentamente configurando no Brasil, apenas se fez e se faz possível por meio das contribuições pessoais e respectivas trajetórias profissionais de seus servidores (do passado, do presente e do futuro). Este conjunto transforma-se – de modo contínuo, coletivo e cumulativo – no principal ativo institucional do IPEA neste momento de balanço crítico de sua vida e da de seus servidores.

Desta feita, proceder ao registro documental dessa rica experiência institucional é uma das formas possíveis para, ao mesmo tempo, reconhecer as contribuições de seus servidores ao ativo de diversidades acima indicado, tanto quanto oferecer à comunidade ipeana, ao Estado brasileiro e à própria sociedade nacional, um belo e representativo presente de aniversário, neste ano de seu cinquentenário.É, portanto, com este mais elevado espírito público que lanço abaixo algumas considerações gerais para nossa reflexão coletiva, tendo por base o fatídico episódio recente de revelação de um erro crasso em uma das pesquisas rotineiras do IPEA.

2. Breve Interpretação Situacional

Muito mais grave que o episódio recente envolvendo o IPEA, têm sido os artigos e comentários que vem se proliferando através das mídias e redes sociais pelo país. No geral, em tom desafiadoramente críticas, tais opiniões revelam, na verdade, uma combinação ampla e ruidosa de: i) desinformação absurda da realidade institucional do órgão, ii) ideologização e partidarização eleitoreira da discussão, iii) incompetência jornalística e pura má-fé da maior parte de nossos formadores de opinião, aliás internos e externos ao órgão.

Pois que o tal episódio demonstra ser, na realidade, muito bem-vindo à consciência crítica do país. Para muito além do singelo caso em si, que por sinal deve ocorrer quase que diariamente dentro das mais ilibadas organizações públicas e privadas do país e do mundo, abre-se na verdade a oportunidade para tratarmos a fundo da questão institucional que realmente é relevante neste caso.

De fato, tendo sido criado em meio ao momento e espírito ditatorial de 1964, o IPEA foi fruto também de uma época na qual se acreditava no poder e na capacidade discricionária do Estado, para sozinho ou com poucos amigos, planejar a dinâmica econômica de mercado e a própria sociedade. A ideologia desenvolvimentista autoritária impregnava também a forma concreta que ia assumindo o planejamento governamental e suas instituições, e isso não só no Brasil, mas em larga medida também em outros países da América Latina e até mesmo em outros continentes, de onde, por sinal, mais copiamos que exportamos “soluções”. Não é à toa, portanto, que já na década de 1970 o IPEA tenha conseguido reunir em seus quadros, mediante salários e status atraentes, expoentes do pensamento tecnoburocrático e de um tipo de prática, em pesquisa e assessoramento, de tipo claramente economicista e autoritário.[1] Tecnoburocracia, economicismo e autoritarismo não só em relação aos planos de “desenvolvimento” ali formulados, mas principalmente em relação aos métodos e critérios “científicos” e silenciosos a conformar o ethos da instituição, ou seja, o seu modo de pensar, de agir, de pesquisar, de validar, de assessorar o governo etc...

Há de fato quem se orgulhe dessa origem, como o atestam os editoriais e reportagens recentes da Folha, Estadão, Globo e tutti quanti, como se a democracia tivesse sido responsável pelo colapso de tão séria, científica e humana instituição! Pois muito ao contrário, defendemos aqui a tese de que foi justamente a democracia, com todos os problemas e contradições inerentes a qualquer dinâmica política e societal complexa, que impediu o fechamento ou esfacelamento precoce do IPEA, pelo menos até o presente momento! E que a situação atual se mostra, na verdade, como excepcional para que a sociedade brasileira e os grupos dirigentes do seu Estado possam mais bem avaliar e nos dizer qual deverá ser o espaço e a missão institucional deste órgão para a república, a democracia e o desenvolvimento nacionais. A disjuntiva atual é, portanto, fechar as portas ou reinventar a instituição. Ou seja, não há terceira via neste caso, não há possibilidade de tucanar a situação, e mesmo o atual governo petista não pode se dar[2]. Não obstante, é óbvio que também no IPEA, como em qualquer outra instituição pública ou privada, havia e há pessoas com perfil e atuação distintos dos acima sugeridos. Na realidade, verdade seja dita, me parece que espírito público, discernimento crítico, humildade intelectual e postura institucional são características muito mais fortes do passado que da atualidade, na qual grassam, como regra geral, o individualismo personalista, a apatia ou mesmo a alienação intelectual, e atitudes pouco condizentes com a ética pública e institucional. a esse luxo... É hora de decidir, procrastinar jamais! E qualquer que seja a decisão, que seja para o bem geral do Estado brasileiro e felicidade geral (tão em voga!) da Nação...

Mas antes, é preciso lembrar que a “crise” atual do IPEA remonta, como visto acima, em parte à sua origem tecnoburocrática, economicista e autoritária; em outra parte, à profunda crise civilizatória (da qual a crise econômica e do padrão de desenvolvimento brasileiro talvez sejam as facetas mais evidentes) das décadas de 1980 e 1990. Como se sabe, durante a década de 1980, premido, sobretudo, pelo regime de estagnação econômica com alta inflação, a função-planejamento governamental e suas instituições federais como o IPEA (mas também toda a rede de instituições estaduais de planejamento e pesquisa) foi perdendo espaço, poder e funcionalidade dentro do aparato mais geral do Estado brasileiro. Este, por sinal, vivia um processo de reconstrução movido por sinais bastante contraditórios entre si: de um lado, a força positiva e pujante da redemocratização das instituições e da própria comunidade política nacional; de outro, a já citada crise interna que se agravava pela crescente submissão do país aos tão elogiados compromissos internacionais de ajuste econômico e realinhamento político rumo ao neoliberalismo.

É neste bojo que houve, entre 1986 e 1995, por exemplo, um longo interregno de não-renovação de quadros no IPEA, que apenas esporadicamente incorporava servidores vindos de outras instituições do país. Em 1990, outro exemplo, o IPEA esteve a ponto de ser fechado pela sanha liberal do Governo Collor. E isso até fazia sentido à época, já que num contexto de refundação liberal do Estado e do novo modelo de desenvolvimento ali pretendido, não poderia mesmo fazer sentido manter um órgão destinado a fazer “pesquisa academicamente orientada e planejamento do mercado”... Muito custo, poucos benefícios, ainda que privados!

Pois veio o Governo FHC, e o IPEA parecia que voltaria a respirar. Então sob o comando do economista Fernando Rezende, deu início a uma série de concursos (os primeiros sob a égide e as exigências meritocráticas da CF-1988), visando não só recompor quadros permanentes, mas sobretudo relançar o órgão em direção ao futuro... Mas que futuro?! Embora o discurso tucano oficial seja outro, os fatos apontam para uma situação na qual, cada vez mais engajado em uma ideologia de Estado mínimo, cujo ápice foi a propaganda gerencialista de reforma do Estado que, infelizmente, ainda hoje ronda e domina corações e mentes petistas em Brasília, e por visões de tipo internacionalizantes, privatistas e liberalizantes, com vistas à instauração de um suposto novo modelo de desenvolvimento liberal-social, o fato é que o futuro pretendido e tentado por aquela “coalizão” governamental no poder não poderia ser nada alvissareira, de novo, nem ao planejamento como função precípua e indelegável de Estado, nem muito menos a instituições como o IPEA, reféns de uma época e de um contexto que – oxalá – jamais volte, aliás, a se repetir!

Chegando aos Governos Lula e Dilma, pode-se dizer que a situação do IPEA tenha vivenciado ao menos 3 fases distintas: certo continuísmo (gestão Glauco Arbix), certo reformismo (gestão Marcio Pochmann), certo oportunismo (gestão Marcelo Neri).[3] Em nenhum dos casos, houve nem sucesso nem fracasso totais, e embora situadas sob as esperanças de renovação e reinserção institucional algo mais vigorosas e condizentes com as heterogeneidades e complexidades de nossa época, nenhuma das 3 gestões conseguiu levar a termo – de modo pleno – suas pretensões. Em outras palavras: os movimentos recentes (pós-1995) de recomposição de quadros no IPEA, mediante disputadíssimos concursos públicos, e de tentativas frustradas de revitalização ou reorientação institucional, estiveram todos fadados ao fracasso, entre outros, por pelo menos dois motivos bastante evidentes, a saber:

  1. Como visto acima, sobretudo durante o segundo mandato de FHC, em contexto de dominância liberal aguçada, vigia no âmbito do Estado certa sensação e orientação quanto à desnecessidade de planificação, ainda que meramente econômica, ou exclusivamente setorial, pra não falar do ambicioso (e quiçá inexequível!) planejamento do desenvolvimento integral. Em contexto deste tipo, recompor quadros permanentes em uma instituição sem demanda nem rumo institucional como o IPEA é o mesmo que esvaziar de significado a instituição, dando carta branca aos mandatários de plantão e aos seus comandados. Os mandatários usam a instituição para se cacifarem política e / ou academicamente mundo afora, enquanto os servidores usam a instituição para seus pequenos projetos pessoais, também de poder político e / ou acadêmico. Sintomático desta fase da crise atual é a constatação de que no IPEA estavam (com ligeira tentativa de enfrentamento entre 2008 e 2010) e seguem vivas hoje em dia, ao menos três tendências claramente discerníveis, embora organicamente articuladas entre si:

  2. Um processo gradativo, porém permanente, de desconexão institucional frente às agendas de relevância pública do país, sejam estas esboçadas pela sociedade, sejam pelo governo instituído. Sobretudo dentro do Estado, quem não se faz demandar, não só não é adequadamente demandado, como sua suposta utilidade tende a ser esquecida pelos altos escalões decisórios. Neste cenário, uma excessiva exposição na mídia, mediante divulgação, muitas vezes, de dados e conclusões apenas parciais de pesquisas nem sempre finalizadas ou bem fundamentadas, aparece como alternativa aparentemente atraente para manter ou alimentar certa visibilidade pública ao órgão ou a parte de seus servidores e dirigentes;[3]

  3. Talvez decorrente do anterior, um processo (deliberado ou não, é difícil de precisar!) de superespecialização de agendas de pesquisa em torno de não mais que três macro temas de relevância interna ao órgão. Logo, em torno das quais passam a girar os recursos de poder (financeiros, humanos, tecnológicos, logísticos, editoriais, comunicacionais etc.) necessários a qualquer trabalho institucional. Foram tais as agendas, construídas e consolidadas, predominantemente, entre 1995 e 2005: i) estudos e proposições orientadas pelo paradigma liberal da focalização das políticas públicas (notadamente: focalização dos gastos sociais) sobre a pobreza; ii) estudos e proposições orientadas pelo paradigma da macroeconomia liberal em torno do ajuste fiscal (volumoso e permanente) como carro-chefe de toda e qualquer política econômica de governo; iii) estudos e proposições em torno da agenda liberal microeconômica da competitividade, entendida como a busca de produtividade sistêmica a partir de reformas microeconômicas conduzidas ao nível da firma como unidade de referência da nova “política industrial, tecnológica e de comércio exterior”;[4]

  4. Tudo somado, e frente a um contexto de exacerbado individualismo como forma básica de sociabilidade instrumental na pós-modernidade, um processo intenso e crescente de academização da produção técnica do órgão, por onde mais vale ao servidor produzir papers (preferencialmente em inglês!) visando o inchaço de seu Curriculum Lattes, que produzir qualquer tipo de nota técnica ou participar de qualquer tipo de atividade de assessoramento governamental direto, apenas para ficar no exemplo mais eloquente.

  5. Em segundo lugar, durante a hegemonia petista no comando da nova “coalizão” governamental no poder, deixando de lado a gestão continuísta das tendências acima, foi apenas no segundo governo Lula (2007 a 2010) que se esboçaram traços de uma gestão algo reformadora dentro do IPEA, em sintonia com as orientações gerais mais desenvolvimentistas deste segundo mandato presidencial. Para tanto, cabia à gestão reformista a tentativa de enfrentamento estrutural dos problemas acima apontados, os quais podem ser ilustrados pela figura.

Em síntese, o diagnóstico à época chamava atenção para o fato de que, em decorrência dos “problemas endêmicos” principais, havia (e continua havendo) uma grave distorção em termos de “hierarquização institucional de prioridades” internamente ao órgão, de tal sorte que reina, no IPEA, o feliz (para os servidores que o praticam), porém incontrolável (para as direções instituídas a cada momento) mundo da produção academizada e individual, vale dizer, autoral. Esta “estratégia” de atuação se sobrepõe, evidentemente, tanto à produção medianamente institucional das diretorias setoriais, quanto – pior ainda – à produção institucional de mais alta relevância do IPEA. Os defensores deste modelo argumentam que o fundamental, dentro do IPEA, é dar e garantir liberdade total aos indivíduos, pois sabem, melhor que qualquer poder instituído, quais as agendas relevantes a serem pesquisadas, e a melhor forma de fazê-lo. Sim, mas esta não seria a missão precípua e a forma fundamental de trabalho nas universidades? Seria essa a razão de ser e de estar do IPEA, uma fundação estatal pública, voltada ao campo da pesquisa aplicada às políticas públicas brasileiras e ao assessoramento governamental direto?

Bem, de qualquer modo, inverter estruturalmente as posições dos triângulos (vale dizer, das prioridades institucionais do órgão), requereria, portanto, uma atuação firme e simultânea em ao menos três frentes de trabalho, a saber:

  1. Para combater a desconexão institucional dentro do Estado, fomentar novas parcerias institucionais com a própria Presidência da República em temas de seu interesse direto, bem como com os mais variados Ministérios e demais órgãos ou instâncias setoriais. Fazer isso por meio da formalização de acordos de cooperação técnica, convênios e outros instrumentos, por meio dos quais se pactuavam planos de trabalho conjuntos que deveriam ser capazes de ancorar uma nova fase ou um novo ciclo de produção técnica a partir da constituição de redes mais ou menos estruturadas de produção e disseminação de conhecimentos, matizadas não apenas por pesquisa aplicada, mas também por forte apoio a tarefas de assessoramento governamental cotidiano direto.

  2. Para dar conta do anterior e ao mesmo tempo suplantar a superespecialização das agendas de pesquisa, alargar o escopo temático de atuação do instituto, seja fortalecendo aquelas áreas setoriais de vocação e competência notórias (como por exemplo, as áreas de macroeconomia, mas para além da dimensão estritamente fiscal; as áreas sociais, mas para além da dimensão da focalização; e as áreas setoriais, mas para além da dimensão da competitividade empresarial), seja reestruturando áreas defasadas ou estruturando novas áreas de produção sistemática de conhecimento, tais como: estudos e políticas regionais, urbanas e ambientais; estudos e políticas internacionais; estudos e políticas do Estado, das instituições e da democracia. Tal movimento, viabilizado, entre outras iniciativas, pelo concurso público havido em 2008 (diga-se de passagem: o mais amplo e mais bem pensado concurso da história do IPEA), trouxe para o corpo funcional permanente um conjunto de excelentes servidores formados e pós-graduados em todas as áreas citadas acima. Desnecessário dizer que tal movimento se mostra cada vez mais acertado frente não só à ampliação e à complexificação das agendas de governo na contemporaneidade, a exigir saberes e conhecimentos multi-inter-trans disciplinares para que as políticas públicas de nova geração possam ser mais bem monitoradas, avaliadas e ajustadas, como também se explica e se justifica frente ao colapso do saber disciplinar estritamente econômico, quase sempre economicista, em explicar e prever de modo minimamente razoável os acontecimentos em curso, mesmo os circunscritos à esfera econômica, que dizer então daqueles típicos às esferas políticas e sociais do país. Por este e outros motivos, trata-se seguramente de pura ignorância ou má-fé a postura de ex-dirigentes do órgão, jornalistas, políticos e acadêmicos do momento, críticos ao fato de o IPEA ter sido – supostamente – partidarizado (?!), ideologizado (?!),[5] afastado de sua verdadeira vocação para pesquisas “apenas” econômicas (?!) etc...

  3. Por fim, para combater a academização crescente da produção técnica, pautar a atuação da presidência do órgão e de suas diretorias setoriais em torno a documentos, projetos e atividades estruturantes e de temporalidade larga, predominantemente de natureza e perfil institucionais, onde o aporte dos servidores se desse sob demanda qualificada, muito mais que por voluntarismo individual. Veja-se: em qualquer órgão de pesquisa aplicada, planejamento e assessoramento governamental, tal qual o IPEA, a produção individual de tipo acadêmica e autoral precisa ter o seu tempo/espaço, até para que as ideias ali contidas possam desfrutar dos momentos adequados de validação “científica” externa e interlocução tecnopolítica qualificada. Porém, em momento algum, esse tempo/espaço deve ser superior ao tempo/espaço da produção e da dedicação institucional, afinal, é de uma instituição estatal pública que se está falando.

Para operacionalizar tais mudanças, do ponto de vista da gestão cotidiana do órgão, uma série de inovações e reorientações foram implementadas, várias das quais permanecem ainda hoje em uso.[6] Mas de todo modo, verdade seja dita, o fato é que a gestão reformista, porquanto bem intencionada e atuante, jamais contou seja com apoio presidencial seja com coesão interna suficiente para transformar em realidade os diversos enfrentamentos estratégicos acima sugeridos. Em suma, a sua atuação jamais foi firme e simultânea o suficiente, naquelas três frentes de trabalho apontadas, para que conseguisse promover (ou ao menos deflagrar) de fato algum tipo de transformação estrutural perene no instituto.[7]

Com isso, a atual gestão, transcorrendo já sob outro tipo de orientação deflagrada pelo governo Dilma, recoloca em funcionamento mecanismos internos de gestão que, na realidade, reforçam aqueles problemas endêmicos que tendem, na melhor das hipóteses, a manter o IPEA na berlinda institucional, e no pior, a sugerir o seu fechamento definitivo. Desconexão institucional, superespecialização das agendas de pesquisa e academização da produção técnica, porquanto talvez hoje em dia não tenham mais o mesmo peso de antes, são, todavia, aspectos que podem minar (e em grande medida continuam minando) a capacidade auto reflexiva do IPEA, sobre si próprio e sobre seu mundo exterior. Talvez movidos por tais valores, em realidade destrutivos da instituição, os colegas servidores que servem como fontes de informações privilegiadas da grande mídia, ou alimentam eles próprios uma visão distorcida da realidade institucional do órgão, acabam obviamente por atrapalhar a elaboração de um diagnóstico mais lúcido por parte do alto escalão de governo, acerca das dificuldades atuais e das possibilidades a futuro do IPEA para o país.E não há inocentes nesta disputa, nem tampouco ela se dá em torno de disjuntivas fáceis do tipo certo X errado, bom X mal, direita X esquerda, mocinhos X bandidos etc., como a grande mídia quer nos fazer crer. Por esta razão, o atual episódio do IPEA se presta a provocar uma discussão realmente pública – aberta e transparente – acerca das opções colocadas à mesa para o futuro da instituição.

3. Conclusão

Seguir alimentando os citados problemas endêmicos do IPEA, tal como nos parecem fazer a atual gestão e aqueles críticos que defendem soluções liberalizantes, privatistas e internacionalizantes para os problemas brasileiros, é a senha rápida e fácil para sugerir o seu fechamento como instituição estatal pública. De nossa parte, recuperar e atualizar a agenda perdida de enfrentamento das suas questões estruturais, parece-nos ser a única via de solução e salvamento desta importante e vilipendiada instituição pública brasileira.As mudanças institucionais intentadas nos últimos anos não visaram a transformar o IPEA em instituição do partido governante; muito ao contrário, visaram torná-la mais consentânea com o Brasil democrático, diverso e plural dos dias atuais. As grandes motivações para as transformações recentes foram: a) tornar a instituição mais próxima dos temas da democracia brasileira e seus novos atores políticos; b) recusar o insulamento tecnocrático; c) recusar o autoritarismo das decisões de gabinete; e d) reorientar a atuação da instituição da mera academização da produção técnica para o assessoramento governamental direto.Se é verdade que a democracia é conflito, entendido aqui como a possibilidade de explicitação pública e confrontação institucionalizada de ideias, interesses e atores sociais, ao invés da subsunção ou subserviência de uns a outros, então cabe à cidadania ativa organizar o dissenso interno da casa, muito mais que contrapor supostos consensos rivais. É esta a disjuntiva que está em jogo nas eleições presidenciais de 2014 no Brasil, ao menos sob a ótica da crise atual do IPEA, e na mesa há apenas propostas para induzi-lo ao fechamento ou para reposicioná-lo institucionalmente no Estado brasileiro.

José Celso Cardoso Jr., TPP-IPEA desde 1997.

Referências Bibliográficas sobre o IPEA.

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CUNHA, M. P. Do Planejamento à Ação Focalizada: Ipea e a produção de uma abordagem de tipo econômico da pobreza. São Paulo: Tese de Doutorado, FFLCH-USP, 2012.

D’ARAUJO, M. C. & CASTRO, C. Tempos Modernos: João Paulo dos Reis Velloso – memórias do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.

D’ARAÚJO, M. C.; FARIAS, I. C. & HIPPOLITO, L. (orgs.). Ipea 40 Anos: uma trajetória voltada para o desenvolvimento – depoimentos ao CPDOC-FGV. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.

EPEA. EPEA: History, organization, and functions. Rio de Janeiro: Epea, mimeo, 1965.

LOUREIRO, M. R. Formação de Quadros para o Governo: as instituições de pesquisa econômica aplicada. In: LOUREIRO, Maria Rita (org.). 50 Anos de Ciência Econômica no Brasil (1946 – 1996): pensamentos, instituições, depoimentos. Rio de Janeiro: FIPE/Vozes, 1997.

MATOS, A. G. Contribuições para uma Análise Institucional do IPEA. Brasília: Ipea, mimeo, 1994.

MELO, V. O Futuro do Ipea nos anos 2010: uma proposta. Brasília: Ipea, mimeo, 2010.

NICOLAI FILHO, R. O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – IPEA – (1964-1984): a institucionalização de uma burocracia. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, 2001.

[*] O presente texto é de responsabilidade inteiramente pessoal do autor, não refletindo posição institucional alguma do Ipea ou de qualquer outro colega ou servidor mencionado ou sugerido.

[1] Não obstante, é óbvio que também no IPEA, como em qualquer outra instituição pública ou privada, havia e há pessoas com perfil e atuação distintos dos acima sugeridos. Na realidade, verdade seja dita, me parece que espírito público, discernimento crítico, humildade intelectual e postura institucional são características muito mais fortes do passado que da atualidade, na qual grassam, como regra geral, o individualismo personalista, a apatia ou mesmo a alienação intelectual, e atitudes pouco condizentes com a ética pública e institucional.

[2] Não há qualquer sentido pejorativo aos termos aqui empregados. Entende-se por continuísmo o fenômeno puro e simples de dar continuidade a tendências e modos de fazer já em curso. Atribui-se a reformismo o sentido de reformar ou transformar estruturas e formas de funcionamento. E associa-se oportunismo ao mero aproveitamento racional de oportunidades que se apresentam conjunturalmente à disposição de nossas ações.

[3] Este processo subalterno do Ipea em relação aos grandes veículos de comunicação desnuda, em geral, os seguintes paradoxos: i) de tudo o que é divulgado, a maior parte daquilo que se considera relevante, em geral não é original; e ii) de tudo o que é divulgado, a maior parte do que se considera original, em geral não é relevante! Com o que apenas posso concluir que tal processo de midiatização da produção técnica do órgão serve, em larga medida, apenas para a produção de “factoides” por parte da grande mídia, ávida, como se sabe, por “notícias que vendam”, e não necessariamente por “notícias que expliquem (ou interpretem)” a realidade complexa e heterogênea na qual vivemos.

[4] É óbvio que, em paralelo, outros temas e outras agendas de pesquisa continuaram sendo tocadas, mas jamais desfrutaram da mesma centralidade e dos mesmos recursos acima indicados. Ademais, sendo o IPEA um órgão de Estado não diretamente vinculado a nenhum setor ou área específica de governo (como o são, por exemplo, o Inep para a Educação; a Fiocruz para a Saúde; a Fundacentro para o Trabalho; a Embrapa para a Agricultura etc.), goza ele de um privilégio e de um dever. O privilégio de poder se estruturar organizacionalmente e de trabalhar de modo não estritamente setorial; e o dever de considerar e incorporar tantas áreas e dimensões de análise quantas lhe forem possíveis para uma compreensão mais qualificada dos complexos e intrincados problemas e processos de políticas públicas.

[5] Aliás, uma das razões do ingresso no setor público se dar pelo mérito, mediante concursos, e uma das justificativas da estabilidade relativa dos servidores, sob a guarida de um regime estatutário e jurídico único, é que assim se evita, justamente, que sob qualquer tipo de comando tirânico ou despótico (ainda que “esclarecido”!), se produza qualquer tipo de partidarização ou aparelhamento absoluto do Estado. Sob as regras vigentes desde a CF-1988, há garantia total de pluralidade de formações, vocações e até mesmo de afiliações político-partidárias-ideológicas dentro do Estado brasileiro atual, bem como garantia plena do exercício de funções movidas pelo interesse público universal e sob controle tanto estatal-burocrático (controles interno e externo dos atos e procedimentos de servidores e organizações) como controle social direto, por exemplo, pela recém-aprovada Lei de Acesso a Informações (LAI), entre outros mecanismos.

[6] Este é um capítulo à parte na remontagem dessa pequena história institucional, e por isso, para ter seu tempo/espaço adequado de apresentação e reflexão, será tratado em outra oportunidade.

[7] Isso não significa dizer que algumas coisas “novas” não tenham sido possíveis, notadamente no campo do alargamento das áreas de pesquisa e assessoramento, que hoje contrabalanceiam de modo mais vigoroso a antes dominante superespecialização de agendas. Prova disso, por exemplo, é o leque muito mais amplo de temas e abordagens presentes nas publicações que marcam o período pós-2008.


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