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Da Rede - Quem pode garantir a transversalidade na política? | Rogério Sottili


Do GGN

Jornal GGN - Durante o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, Rogério Sottili era Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Naquele período, era ele quem materializava as articulações de projetos de Lula numa das principais pastas que carregava as bandeiras do partido. Oito anos se passaram, e o articulador absorveu experiências da Secretaria-Geral, antes de comandar direitos humanos na cidade mais populosa do Brasil, São Paulo. Mas foi naquele ano de 2007 que Sottili tirou o maior exemplo de gestão unindo áreas distantes e autônomas na política.

"A determinação política do chefe de Estado, do chefe de governo, é fundamental para garantir a transversalidade", disse, ao Jornal GGN, diante da pergunta: "É possível institucionalizar uma política horizontal nas cidades e governos do país?".

"Tenho certeza absoluta que no governo brasileiro nunca teve tanta política transversal, quanto durante o governo Lula. Eu tenho experiências bárbaras que vivenciei na construção de políticas, que só foram exitosas para o Brasil, históricas, porque foram transversais, e porque o Lula empoderou", afirmou Sottili, exemplificando necessidades de determinação e sensibilidade de agentes políticos.

Um desses casos ocorreu quando o Morhan, entidade sem fins lucrativos voltada para acabar com a Hanseníase no Brasil, procurou o ex-presidente Lula para pedir a indenização a pessoas atingidas pela doença até o ano de 1986, que eram submetidas ao isolamento e à internação compulsórios, em hospitais-colônia. As crianças que portavam hanseníase eram retiradas de suas famílias e apartadas do convívio social, para não correrem o risco de passarem a doença a outros.

A segregação era tamanha que nessas colônias de hansenianos existia uma moeda própria, "para não misturar, para ninguém pegar a doença", contou Sottili. O ex-secretário Especial dos Direitos Humanos disse que Lula, ao ser procurado e comovido com a história, convocou diversas Secretarias e Ministérios para uma audiência e determinou uma força-tarefa de governo, unindo Saúde, Previdência, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Advocacia Geral da União.

Junto com cada representantes titulares e suplentes dos Ministérios, uma Comissão Interministerial foi criada, com um membro portador de hanseníase, para avaliar e acompanhar os trabalhos. Sottili não só decidiu sobre os novos pedidos de reparação, como também ficou responsável por liderar a ação conjunta. O objetivo final era, por meio da análise de 12 mil processos de reparação, identificar todas as necessidades e, em um ano meio, pagar um salário mínimo a todos, até o final de suas vidas.

Outro episódio em que Lula empoderou Sottili foi no processo de erradicar com os sub-registros civis de nascimento. Ao perceber que 30% dos moradores de diversas regiões do Brasil não tinham certidão de nascimento, o ex-presidente verificou que se tratava de uma grande parte da população automaticamente afastada de benefícios e direitos sociais. Em 2007, municípios chegavam a computar 88% de sub-registros.

Com esse cenário, o ex-presidentedecidiu erradicar o sub-registro até o final de seu mandato. Uma nova frente de trabalho foi criada, unindo setores além de Ministérios de Governo, como também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Tribunais de Justiça, governos estaduais e cartórios. "Os cartórios não queriam, tinham uma resistência muito grande, primeiro porque era trabalho demais, e registro de nascimento não dá dinheiro, então era uma dificuldade tremenda", recorda Rogério Sottili.

O objetivo foi atingido. "Em 3 anos e meio, nós erradicamos o sub-registro no Brasil, hoje ele está abaixo dos 5%, que para os indicadores internacionais é considerado erradicação", afirmou. "E foi fruto desse trabalho que nós construímos a Certidão de Nascimento Nacional, numa parceria com a Casa de Moeda", completou.

Parte dessas experiências, o Secretário Especial carregou para políticas na prefeitura de São Paulo. Mas ressaltou que a motivação tem que partir do chefe de Estado. "E isso o Fernando Haddad tem. Desde o início ele bancou a transversalidade. Por isso, quando ele me convidou para ser Secretário de Direitos Humanos, lá no início de governo, deixou bem claro: 'Rogério, o que você precisar pode contar comigo, mas incomode as Secretarias, as coisas têm que andar'", contou.

A importância do Executivo sobre as políticas articuladas e transversais é ponto sensível e determinante, disse. Desde para reconhecer o trabalho de gestores até frear níveis de vaidade em políticas que a coautoria deve se sobrepôr para o resultado positivo. "A capacidade de fazer a política transversal, a sensibilidade política dos secretários e a determinação política do prefeito é fundamental para isso".

"Por fim, mesmo assim, é muito difícil. O Estado não está estruturado para políticas transversais. O Estado está estruturado para trabalhar em caixinhas, sabe? 'As minhas prioridades eu não estou dando conta, por que vou ficar cuidando da sua?' Então é um trabalho cultural também", reconheceu Sottili.

"A principal peça é a política. Ou o chefe de Estado entende isso ou não vai acontecer absolutamente nada", resumiu.


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